terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Mãe

Trago nos pés gelados e descalços
o frio que a noite não trouxe.
Pouso na cama um corpo oco de nada,
na cabeceira um copo de chá
e inspiro o seu odor a menta, flutuante
misturado com o incenso que me envolve o leito…

Aconchego os abomináveis óculos
que me descansam por momentos a vista
e dou por mim – pitosga –
a reflectir na dureza das palavras gélidas que te disse hoje
que terão repercussões no amanhã.
Acendo ao de leve um cigarro imaginário
e sei que te magoo…

Sei que todos os dias te magoo
mais um pouco, mãe.
Todos os dias as minhas palavras traem os sonhos que tens para mim.
– dou um bafejo e continuo –
não sei guardar-te
por não te saber ver a ver-me partir…

O cigarro que criei ainda agora
arde na insensatez do cansaço da minha voz,
inibe-me dos afectos que não contenho
(que te dou inutilmente)
e torna-me também inútil como um trapo.
Sinto-me velha e frágil
como tu, mãe…
E este cigarro que eu criei
ardeu sozinho no cinzeiro da minha alma
onde as cinzas de mim esvoaçam na brisa…

Dá-me a mão como dantes
salta para o meu mundo
negro e de sangue
onde há bruxas a flores
lábios e mar…
Vem ver como é bom
ouvir a chuva
e não querer mais nada
que não sejam os passos do silêncio.
Fica deste lado
não partas outra vez
deixa que as minhas asas se partam,
renasçam
e fica deste lado.
Ajuda-me a pintar este quadro,
infantil e denso como este poema.
Tira a rima as quadras,
a chuva ao arco-íris,
as rosas brancas do meu quadro…
mas vem mostrar-me como é bom
todo este cheiro do mar…

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Apago a luz.
Olho para as fotografias espalhadas daquilo que me resta de ti
e aconchego-me no calor frágil do meu leito
onde o frio de ti hiberna…
Quero rasgar com os dentes estas miseráveis ilustrações de nós
e não consigo.
Quero guardar no regaço estas lágrimas que ninguém viu
para um dia as carpir sozinha
como na derradeira…

Dissolvo no mar
(não sei se deva ainda dizer “nosso”)
as lágrimas que os meus olhos choraram
e deixo que a corrente me leve alguma da pouca sensatez.

Pois tudo o que me resta é este cheiro da terra molhada,
os legos difusos no chão do mundo que não ergui
e o acre sabor da derrota interna…
Tu és apenas tu.

Hoje peguei na caneta
e quis rabiscar sobre os velhos que vagueiam nos becos,
dos fantasmas que se assombram no respirar,
até mesmo da acne sem aviso na minha testa…
Quis contar o quão profundo é o verde das folhas,
o deprimente que é o cinzento do céu
as faces rosadas das crianças
e a delicadeza de uma gota de sangue…

O ódio que te tenho
assaltou-me esta noite
«por não conseguir ser-te indiferente»,
levando-me em jeito canhoto a escrever sobre o quanto te espero
guardando no bolso todo a minha malquerença
intentando apagar o quanto te amo
sendo tu,
a meu ver,
terrivelmente patético.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Posso não escutar o que dizes
Mas tomo a tua voz.
Posso não saber o que falas
Mas decoro os teus lábios.
Posso contudo saber
Se o que contas é verdade,
Apenas por teus olhos ler.
E posso ver o que pensas
Quando nossos narizes se tocam
E por um pequeno impulso mais
Nossas bocas se encostam
E nossas línguas se encontram.
Então partilhamos uma só palavra:
Adoro-te.
Sinto faltar-me um bocado,
Porque será?
Olho para meu lado,
E tu não estás lá.
Os sons cessam,
A luz esmorece,
As pálpebras cerram,
E tua imagem aparece
Consigo então ver-te,
Cada pormenor da tua face,
Posso e quero sentir-te,
Como se a teu lado te abraçasse.
(É nessa altura que recordo
E com minha ideia concordo:)
Sempre que nos encontramos
Sei que fazes parte de mim.
Agora juntos estamos,
Não me contes o fim.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Amizade

Queria estar contigo
Nesses momentos traiçoeiros,
Beber as lágrimas que reluzem
Na tua pálida face,
E assim fazer minha a tua dor.
És parte do sentido da minha vida,
Uma razão de eu ser.
Quero proteger esse teu sorriso
Que ilumina o meu.
Abro o livro, acendo a lareira, vejo o fogo consumir lentamente o pouco que resta de mim… Hoje é domingo: Não me vesti convenientemente, não penteei o cabelo, não atendi o telefone, não olhei pela janela, deixei as luzes todas acesas, não saí de casa…
Estou especialmente nostálgica e melancolicamente mergulhada neste romance. Fixo neste livro o romance violento e o final trágico que não vivi (do amor que não tive) e sim: Quando o amor não subsiste, não há nada que nos faça ficar, e a comiseração é demasiado cruel para não dizer adeus… «Cair em ti, cada vez mais longe da mísera ficção de mim». Sem ti sou só um corpo, e a minha alma tilinta neste desconforto misericordioso que é o ódio contrastando a afeição. Esta malevolência persiste, pontapeia-me o coração e esmaga-me a alma para que eu não tenha o dissabor de a encarar, trocista.
Hoje contei as ondas do nosso mar, olhei o céu que ficou nas minhas (talvez nossas) recordações… talvez tenham significado pouco da tua vida desenfreada e egoísta. Dás tão pouco de ti… Talvez tenhas caído na minha vida e estejas apenas de passagem, talvez esteja condenada a amar-te com todo o corpo durante muito tempo, talvez não…
Dei-me à sede do teu afecto incapacitado quase sem me questionar, porque todas as questões vieram depois, muito depois. «A melhor coisa que um dia aprenderás é a ser amado e retribuído», aprendi apenas metade dessa serenidade.
Devias ver-me hoje: com a pele luzidia, os olhos inchados do choro, os meus abomináveis óculos que desprezo em dias normais, o cabelo mal preso, desgrenhado, caído sobre a testa. Estou irreconhecível, sou só um corpo de alma tilintante. O livro caído no colo, a poção miraculosa do definhamento sobre a mesinha…
Hoje percebi – mais que nos outros dias – a falta que me fazes. Acordei na apatia dos amores consumidos pela falta que me faz a tua estupidez e indolência inatas, o teu sorriso fedelho que me fazia acordar, enfrentar o outro dia, todos e todos os dias…

«mister inaccessible, will this ever change? i'm still a picture in a frame...»

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

1 de fevereiro, ás 20h38

Já passou algum tempo desde o primeiro
e hoje o teu beijo soube-me frio...
Talvez todo o calor tenha passado
porque o vento não ateou
a chama gélida...
Dou-te a mão
E percorro a mesma estrada todos os dias
Na insensatez desta coisa estranha e simples que nos une:
E sei-me tua.
O antagonismo do nosso amor
É toda uma tela que pinto em pormenor,
Todos os dias.
Pinto os teus lábios
E já os sei de cor
Como os teus cabelos que me perco a afagar
Em noites frias de sul...

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

«esta noite o amor partiu / sem sequer adeus dizer...»

Sou o pedaço de bruma
imóvel e quedo...
Hei de sair deste buraco que é a vivência que tenho guardado...

Jorrei pelos dedos este céu branco
tão imaculado nesta pureza crédula que é sentir-me triste...
Quis a tua mão,
- um pequeno apoio -
e vi-me tão só quando te recordei as costas...

És eterno.
Quis beber-te a ternura que largaste em mim
por seres tão hábil a fugir das palavras fraternas...
És um ritual.
Decifrei-te e não soube conter-te,
não soube dar-te tempo de perceberes o silêncio que sou.
Mostrei-me ao mundo num momento cru,
ingénuo,
leviano: arrependido...
e já passou tanto tempo...
Passou desde que as lágrimas secaram
e absorveram o extravazar de mim.

Foi tão oco este vazio
porque esta noite algum do meu amor partiu
e não sei se quero viver com o peso
de carregar a tua doce ausência...